quarta-feira, 23 de maio de 2012

Humanistas e calculistas


Eu poderia começar venerando os humanistas,porque sei que nenhuma pessoa que tem um relacionamento tão bem sucedido com qualquer que seja a matéria de cálculo leria isso.Verdade ou não,posso dizer que quem se dá bem com números normalmente se enrola com as palavras e por isso tende a ridicularizar as matérias de humanas e línguas.Porque,segundo eles,são decorativas,sem mistério e desnecessárias.A pegunta frequente deles é : " pra quê eu vou querer saber disso ?"

A verdade é que eu nunca tomei um lado.Embora tenha certeza de que não pertenço ao mundo dos números e da objetividade,algumas coisa na área de humanas me faz sentir um grande ódio desses pseudo intelectuais,espertos e senhores da verdade.E é por isso também que eu ainda não decidi o que fazer da vida,mas isso fica para depois.

O fato é que li numa importante revista que o governo deveria abolir as aulas de filosofia,sociologia e artes da educação pública,pra que dessa forma se pudesse explorar de modo mais eficaz as matérias mais importantes,como Português,Ciências e Matemática.Decepcionante,porque quem disse isso é bastante instruído pra saber que não devemos privar nenhum ser do conhecimento.O argumento é que alunos de melhores condições sociais podiam se dar ao luxo de aprender quantas línguas quisessem e matérias menos relevantes que essas três.Não é nem um pouco fácil garantir um estudo igualitário,mas como uma educação pode ser de qualidade sem que seus alunos não tenham uma noção do que é arte ? Como exigir ética de milhares de adultos no futuro se estes foram,no passado,crianças que nunca tiveram uma aula de filosofia ?  Uns serão mais civilizados que outros ,isso é igualdade ? Pensei em algo como oficinas de reforço nas escolas públicas.Mas isso é ilusão,como muitos calculistas irão dizer.

Não ignoro a extrema relevância das ciências exatas,mas acredito,assim como Erico Verissimo,que devemos dar um sentido humano a tudo o que fazemos.Convivo com muitas pessoas calculistas e não é fácil me acostumar à falta de tato e insensibilidade.Algumas precisam passar pela cadeira do ITA de reintegração social,garanto.Sei também que precisamos abandonar as idealizações e aprender a sermos mais práticos.Sei que construções são importantes,sei que muita coisa da área de humanas é pura balela e que quem vive de teoria  não vive.Também amo a tecnologia,amo a busca,amo Arquitetura refinada e de bom gosto (há algo mais humano e calculista ao mesmo tempo que Arquitetura ? ),mas detesto ter que aprender a apertar parafuso,odeio o mecanismo e odeio a indiferença desses calculistas na matéria da alma.E acontece que o que eles chamam de ideologismo eu chamo de propósito.

As matérias de humanas são grandes impulsionadoras da reflexão.Tanto são que foram proibidas na época da Ditadura  as matérias de Sociologia,Redação,Filosofia e o estudo da língua Portuguesa foi restrito às análises sintáticas.Portanto,é evidente que não se pode privar ninguém do estudo destas matérias,já que elas ensinam,de certa forma,a pensar,e claro,a conhecer.Mas as ciências têm notório papel,pois não se vive só de cultura  e análises comportamentais.É fundamental desenvolver a saúde (e a socialização da medicina),possibilitar o transporte e diminuir distâncias geográficas e entender os fenômenos naturais para se obter vida digna.

Então,ficamos com Incidente em Antares mais uma vez :

(...) - O ensaio me pareceu muito bem craniado.Só notei que estás demasiadamente fascinado pela tecnologia.Daí a aceitar sem reservas a tecnocracia é um passo muito curto.
      - E que mal há nisso,num país em processo de desenvolvimento como o nosso ? O Brasil precisa  mais de cientistas e técnicos do que de helenistas,latinistas e estetas...
     - De acordo até certo ponto... Mas deixa também um lugarzinho na tua Sociedade Nova para os humanistas.A filosofia não é tão inútil quanto parece.E o homem necessita de música,de poesia e -que  diabo ! - precisa também aprender a usar o lazer que um dia a ciência,ajudada pela técnica,lhe há de proporcionar.Em suma,a técnica fornece os meios.O humanismo nos orienta quanto aos fins.E não concebo humanismo sem ciência.


Não lemos nem escrevemos poesia porque é bonitinho.Lemos e escrevemos poesia porque somos humanos.A raça humana está repleta de paixão.Medicina,advocacia,administração e engenharia são objetivos nobres e necessários pra manter-se vivo.Mas a poesia,beleza,romance,amor...é p vivemos - Sociedade dos poetas morto

5 comentários:

Unknown disse...

Olá Laís é minha primeira vez aqui, adorei seu texto!Tudo nessa vida é necessário,só que há coisas que não interessa a mim mas pode interessar a pessoa do lado assim como oque interessa para ela pode não interessar para mim, mas imagine se todo mundo gostasse da mesma coisa?que chato que seria né?Ainda bem que vivemos em um mundo democrático e com diversidade, porque mesmice...dá tédio!

Beijocas!

Milena M. disse...

Antigamente eu ficava com uma raiva mortal de quem falava que humanidades eram inúteis. Eu ficava pensando "cara, você é um ser humano, já começa por aí!".
Agora eu me limito a ter pena dessas pessoas, já que isso é claramente muita ignorância, falta de acesso à cultura e alienação.
Nunca gostei de matemática e só parei de ter raiva dela quando entendi que ela é muito necessária e pode até ser poética, eu é que nunca fui ensinada corretamente. Pena que muita gente não vê isso com relação ao que não gosta de estudar.
Estou tendo uma matéria na faculdade que, contra minha vontade, estuda modos de pesquisa e ensino (contra a minha vontade porque se desviou do tema da aula, não porque eu não acho interessante). E a gente vê que essa separação é estúpida, atrasada e muito intrincada na nossa sociedade. Temos um longo caminho na contramão, mas acho que um dia vão entender bem o Erico. :)
Por falar nisso, estou com Incidente em Antares aqui em casa desde que você indicou, mas ainda não tive o espírito certo.
Beijo!

Milena M. disse...

Ah! Quase esqueci: "No duro" foi a parte da tradução que mais me irritou em O Apanhador no Campo de Centeio. Leia o orginal em inglês, você vai ver como é melhor!

Vanessa disse...

Imaginando um mundo sem as ciências humanas = pobre mundo rico. É um retrocesso pensar em descartar certas disciplinas. Não sou do tipo que acha que as humanas vão trazer a redenção ao mundo. Só acho que deveria haver um equilíbrio na distribuição dessas disciplinas na escola porque é o que parece mais justo e mais enriquecedor.

Fran Carneiro disse...

Agora eu me limito a ter pena dessas pessoas, já que isso é claramente muita ignorância, falta de acesso à cultura e alienação.
Nunca gostei de matemática e só parei de ter raiva dela quando entendi que ela é muito necessária e pode até ser poética, eu é que nunca fui ensinada corretamente. [+1] Concordo com a Milena nessa parte, e penso assim também hoje em dia.

Eu faço Jornalismo e a maior parte dos meus amigos, exatas. Sempre há um que (de brincadeira, eu acho) faz gracinhas sobre isso, mas leva umas boas respostas, rs.

É absurdo pensar em tirar filosofia, sociologia ou derivados da grade de ensino. É necessário ensinar os alunos a pensarem de forma humana mesmo nas matérias exatas.