sábado, 9 de fevereiro de 2013

A cidade está no homem


Mesmo que minha tentativa de passar no vestibular antes da hora tenha frustrado,  tenho que 
agradecer à Universidade Estadual de me obrigar a ler Poema Sujo. Tudo bem que só pela obrigação eu até desenvolvi um certo trauma do livro,mas se não fosse a urgência de entendê-lo,decifrá-lo,ou como preferem os estudantes desesperados,recebê-lo já mastigado,eu nunca teria compreendido a sua beleza.Nunca teria assistido a aulas para compreender livro algum. Nunca teria travado contato com a genialidade de Ferreira Gullar. Nunca teria compreendido my goddamn city. Eu que abertamente revelo minha insatisfação diária em viver aqui,eu que luto para deixar velado um certo apreço por esse lugar . 

Eu sou do mundo,mas sou especialmente de São Luís. As crianças do mundo não têm medo de Ana Jansen,como eu tive (tenho -ainda- ? ) , poucas cidades do mundo têm essas ruas estreitas e insuportáveis,por onde caminho, ou melhor, passo de carro, sofrendo em algumas ruas que conservaram os paralelepípedos.Dizem que não temos sotaque , dizem que falamos o português mais correto do Brasil ( mas isso foi há alguns séculos ) ,não sabem se ficamos no Norte ou no Nordeste.  Certa vez quando viajei com a escola para um acampamento próximo a Campos do Jordão, estudantes de outras partes do Brasil fingiram ficaram surpresos em saber que aqui tem aeroporto, eletricidade, que a gente é " bem de vida",como eles mesmos disseram. Ofensas ? claro que não. Perdoamos a ignorância, perdoamos porque conhecemos um pouco mais do Brasil que eles. E pedimos desculpas por diminuir o IDH ( será que era isso que eles queriam ouvir ?).

Mas eu não posso engrandecer a cidade,só porque nasci aqui ( hei de depenar a cegonha que errou o maldito voo,porque só pode ter sido isso). Os meus velhos ficam furiosos sempre que abro a boca para falar mal daqui. Mas acontece que para quem é " bem de vida" a cidade é sempre boa,pelo menos razoável.  Mas imagine ter que pegar ônibus diariamente e ser sacudido ao máximo nas sucatas chamadas de transporte público. Imagine nunca ter tido a oportunidade de ler / ouvir falar de Aluísio Azevedo, Ferreira Gullar, Sousândrade, ou mesmo apreciar uma peça no  Teatro Artur Azevedo , porque não é habito, porque não há educação para isso - embora faça parte da nossa cultura -. Nós, ludovincenses, engrandecemos esse nosso passado, que é belíssimo, mas não tiramos nenhum proveito disso sem ser a sensação de nostagia. Se você não for um grande intelectual saudoso, ou um rato de praia , ou simplesmente apegado demais para sair de onde nasceu, viver aqui não é lá muito tentador.

Estou sendo conservadora o quanto posso. Mas a cidade está jogada às traças. Podem chamar de Sarneylândia,mas o espetáculo tem um elenco muito maior. Por falar nisso, sempre que viajo para fora do estado  fazem insinuações com relação ao "digníssimo" como se eu e a minha família fôssemos todo o eleitorado do Maranhão. Como se São Luís fosse todo o eleitorado do estado e responsável pela desgraça do país. É,a imagem do Brasil é muito feia por causa dos políticos,mas a aparência no cenário internacional  não chega nem aos pés da dureza da realidade. E ainda assim,querem que os adolescentes tomem consciência e votem a partir dos dezesseis. Não votei coisa nenhuma. Antes eu tinha certeza que iria votar com dezesseis, mas a desilusão é tanta que uma das coisas que me motivaram a não tirar o título foi a possibilidade de ficar  dormindo no dia das eleições. " é,Laís,mas se todo mundo pensar assim, o Brasil não vai pra frente". Sei lá,tô cansada. 

Acompanhei os debates e tudo mais ,mas essa história de tirar título só ia me dar problema. Fica para a próxima. Também não posso negar o quê de poético que esse lugar tem. A minha vontade é espalhar a arquitetura portuguesa por todos os pontos da cidade,mas nenhum paisagista teve essa ideia. E acho que eu não vou ser paisagista,nem arquiteta. E às vezes parece mesmo que habitantes de ilha têm um pensamento reduzido. Além de ilha,São Luís é uma cidade histórica,ou seja, pouca visão por causa dos ventos + orgulho do passado que paralisa o avanço. Não quero tornar essa cidade  moderna,quero torná-la bonita. Por que não deixá-la com o mesmo ar da Biblioteca Benedito Leite ? Por que todos os prédios administrativos não imitam o Palácio dos Leões ? Por que ninguém restaura os casarões quase caídos ? Às vezes me sinto feliz por aspirar o ar antigo que ainda varre a cidade e lembro do Poema : 

Ríamos,é certo,
em torno da mesa de aniversário coberta de 
pastilhas
de hortelã enroladas em papel de seda colorido,
ríamos,sim,
mas
era como se nenhum afeto valesse
como se não tivesse sentido rir
numa cidade tão pequena.

Acho que sempre me sinto à vontade com idosos porque sou daqui. Parece besteira,mas São Luís é o lugar  onde a população cresce com os avós,tios-avós,bisavós e iam com eles para a Missa aos domingos quando crianças.  O Boticário criou uma fragância para a cidade e eu tenho a impressão de que é o cheiro dos velhinhos na  Igreja,ou o cheiro dos velhinhos aos domingos. Cara,eu conheço esse cheiro.E por sinal, domingo é a cara de São Luís,mas isso quem fala é uma jovem - idosa que não frequenta bares da Litorânea nos finais de semana. Talvez os jovens que vão a todas as festas da cidade  não pensam a mesma coisa sobre São Luís. Mas eu tenho uma bagagem bem grande com recordações daqui. Recordações parece que de um século. " Tudo que morre fica vivo na lembrança,como é difícil viver carregando um cemitério na cabeça !" assim choraminga São Luís.

Eu tinha um monte de outras coisas pra falar daqui quando as ideias para esse post vinham quando eu ia dormir durante as férias. Mas, agora um monte de sentimentos que eu tinha por aqui já passaram. Porque uma coisa é estar em São Luís,numa solidão e reflexão gostosa,numa tarde de domingo e sem aulas. O céu vai ficando alaranjado lá pras 5 horas , você lê Aluísio sem pressa de acabar,os carros não fazem barulho. A cidade descansa. Outra coisa é ir para a escola de manhã e a noite,aguentar flanelinhas e engarrafamentos todos os dias - São Luís não é uma cidade para carros,entendam - buracos no asfalto,um calor do inferno, e não poder ler nenhum livro em transporte nenhum porque você fica tonto de tanto balançar.  Voltei para dar satsifações, que a minha frequência que já era escassa por aqui,vai ser nula,por questões já explícitas. Talvez se eu tivesse citado na minha redação que "  a noite não é a mesma em todos os pontos da cidade " eu teria tirado uma nota decente, e poderia ficar tranquila com a minha vaga garantida  para um segundo semestre e vir aqui de vez em quando. Mas eu tinha que falar um pouquinho dessas bandas de cá,esquecidas do resto Brasil,que ninguém sabe qual seria a região mais adequada para o IBGE comportá-la.Precisava falar que aqui está longe de ser a Jamaica Brasileira (ainda bem ) ,e mais longe ainda de ser Atenas, e ah,que a gente não fala "mainha" ,"painho", nem "meu rei" porque a Bahia não é o Nordeste todo.E  precisava urgentemente falar da problemática existente entre passado e presente. Desse nosso orgulho de cidade provinciana porém charmosa do passado, e do nosso hábito de  "virar a cara "  para a decadência do presente. 

"Ah,minha cidade suja
de muita dor em voz baixa
de vergonhas que a família abafa
em suas gavetas mais fundas 
de vestidos desbotados
de camisas mal cerzidas
de tanta gente humilhada
comendo pouco
mas ainda assim bordando de flores
suas toalhas de mesa
suas toalhas de centro
de mesa com jarros
- na tarde
durante a tarde,
durante a vida -
cheios de flores
de papel crepom
já  empoeiradas
minha cidade doída "



Minha cidade doída ...