quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Cansados

"Se naquele instante - refletiu Eugênio - caísse na Terra um habitante de Marte, havia de ficar embasbacado ao verificar que num dia tão maravilhosamente belo e macio, de sol tão dourado, os homens em sua maioria estavam metidos em escritórios, oficinas, fábricas... E se perguntasse a qualquer um deles: 'Homem, por que trabalhas com tanta fúria durante todas as horas de sol?' - ouviria esta resposta singular: 'Para ganhar a vida'. E no entanto a vida ali estava a se oferecer toda, numa gratuidade milagrosa. Os homens viviam tão ofuscados por desejos ambiciosos que nem sequer davam por ela. Nem com todas as conquistas da inteligência tinham descoberto um meio de trabalhar menos e viver mais. Agitavam-se na Terra e não se conheciam uns aos outros, não se amavam como deviam. A competição os transformava em inimigos. E havia muitos séculos, tinham crucificado um profeta que se esforçava por lhes mostrar que eles eram irmãos, apenas e sempre irmãos."
( Olhai os lírios do campo )

Ainda busco compreender essa doença crônica de que somos todos vítimas,mas sinto que já nascemos com a noção de vida certamente perdida,como se por trás de todas nossas vontades tolas,nossas exigências sociais e deveres sociais houvesse apenas um risquinho fraco da nossa essência.Não que o homem nasce bom,mas a sociedade o corrompe,mas como se o homem já não soubesse procurar com as suas próprias mãos quem ele é. Nós queremos ser algo,mas dificilmente conseguimos ser relevantes para alguém. É o enxame cheio de abelhas que não se olham umas para as outras,porém, se uma abelha é retirada do enxame,todas as outras ficam raivosas- como se a presença de tal abelha só fosse percebida quando ela foi tirada à força do enxame- .E com que facilidade me seduzem as vitrines,não consigo resistir a tantas coisas lindas,bem feitas,criativas e pago sem hesitar altos valores por essas coisinhas simplórias.E depois eu lembro,com vergonha,que o preço de um vestido meu é metade do salário de alguém,e então tento evitar a culpa,mea maxima culpa, que é desconfortável,dói muito.E eu tento anular essas sensações aqui dentro,talvez porque sejam profundas demais,talvez porque eu seja culpada demais.Talvez porque eu desaprendi a lidar com o que eu faço de errado.Tudo tem solução.Tudo é muito fácil,só não é pra quem tem a vida difícil.Talvez eu não devesse pensar no quanto odeio ter que aprender certas coisas,talvez eu só devesse engolir todos os excretas sociais: a má qualidade de vida (lamento acreditar que dificilmente todos vão abandonar seus carros para andar de bike nas nossas utópicas ciclovias);assassinatos diários;o alcoolismo não comum,mas indispensável;o ceticismo para o quer que seja; o estímulo à desconfiança; as desapropriação de terras; o desrespeito às culturas; o trabalho mal feito de profissionais frustrados; a falta de integridade do homem; a sociedade líquida pouco preocupada com a sua ou a minha vida. Sinto que esta sociedade está no estado de dormência,como se ainda não tivesse despertado para o espetáculo que chamamos "vida",e talvez quando for notada a grandeza do seu sentido,ela cause no mínimo um arrepio sempre que pronunciada.

" Religion that God,our Father,accepts as pure and faultless is this: to look after orphans and widows in their distress and to keep oneself from being polluted by the world".

" o mata borrão absorve tudo e no fim da vida acaba confundindo as coisas por que passou ... O mata borrão parece gente !" ( Mário Quintana)